Pesquisa com mais de 10 mil adolescentes revela que oferecer um celular antes dos 12 anos aumenta riscos de depressão, obesidade e problemas de sono


Qual é a idade certa para dar o primeiro celular para o seu filho? A pergunta já virou pauta de conversa em muitas famílias – e, agora, também é tema de um grande estudo científico que acende um sinal de alerta. Entregar um smartphone antes dos 12 anos pode trazer impactos importantes para a saúde física e mental dos adolescentes.

Uma pesquisa que acompanhou mais de 10 mil jovens nos Estados Unidos mostrou que a simples posse do aparelho nessa faixa etária já está associada a maior risco de depressão, obesidade e sono insuficiente – mesmo quando não há “uso problemático” de muitas horas por dia.

Mais do que uma questão de praticidade ou “todo mundo tem”, especialistas defendem que o primeiro celular deve ser encarado como uma decisão de saúde. “Os pais devem encarar a decisão de dar um smartphone ao filho como uma etapa que tem implicações para a saúde das crianças”, explica o psiquiatra infantil e adolescente Ran Barzilay, autor principal do estudo.

O que o novo estudo descobriu

O trabalho analisou adolescentes do projeto Adolescent Brain Cognitive Development Study (ABCD) ao longo de dois anos. Ao comparar jovens de 12 anos que já tinham celular com aqueles que ainda não tinham, os pesquisadores observaram que quem já usava smartphone apresentava: 62% mais chance de dormir menos de nove horas por noite (tempo recomendado para a idade); 40% mais risco de obesidade; e 31% mais risco de depressão.

Um detalhe importante: os adolescentes com “uso problemático” de celular – ou seja, muitas horas diárias de exposição – foram excluídos da amostra. Isso significa que não é só o excesso de tempo de tela que preocupa, mas o fato de o aparelho já fazer parte da rotina e abrir as portas para um universo digital difícil de controlar.

Além disso, a idade em que o celular chega às mãos do jovem também fez diferença. Na pesquisa, a idade média do primeiro aparelho foi 11 anos. Para cada ano em que o smartphone entrava mais cedo na vida da criança: o risco de obesidade aumentava 9% e o risco de sono insuficiente crescia 8%.

Barzilay lembra que esses anos não são “apenas mais três anos qualquer” na vida. Eles acontecem em uma fase em que cérebro e corpo estão em desenvolvimento acelerado. Manter hábitos saudáveis nesse período tem impacto direto na vida adulta.

Não é só agora: os efeitos podem acompanhar a vida toda

Esses percentuais podem parecer pequenos isoladamente, mas ganham peso quando pensamos no longo prazo. Pesquisas anteriores já mostraram que adolescentes obesos têm grande chance de se tornarem adultos obesos – e, com isso, vivem maior risco de hipertensão, diabetes e outras doenças crônicas.

O estudo também acompanhou jovens que não tinham celular aos 12 anos, mas ganharam aos 13. Em apenas um ano de uso, eles apresentaram 57% mais risco de atingir níveis clínicos de psicopatologia (transtornos mentais); e 50% mais risco de sono insuficiente, mesmo com sono e saúde mental adequados no ano anterior. Ou seja, o impacto aparece rápido.

Como o celular mexe com o corpo e a mente

Os pesquisadores não identificaram exatamente quais comportamentos específicos explicam o aumento do risco, mas apontam caminhos prováveis: sono cortado por notificações, vídeos e rolagem infinita; mais tempo sentado e menos tempo em movimento; atenção fragmentada e checagem constante do aparelho; menos interesse por atividades ao ar livre e encontros presenciais.

Afinal, existe idade certa para dar o primeiro celular? A verdade é que não há um consenso único, mas a direção geral dos especialistas é: quanto mais tarde, melhor. O Ministério da Saúde e outras entidades recomendam que crianças não tenham smartphone durante a infância, que vai até os 12 anos incompletos.

Ran Barzilay, depois dos achados do estudo, passou a rever a própria prática em casa: os dois filhos mais velhos ganharam celular antes dos 12, mas o mais novo, hoje com 9 anos, não terá o aparelho tão cedo. Marcelo Masruha orienta, em consultório, que o smartphone seja do adolescente apenas a partir dos 14 anos.

E as redes sociais? Um capítulo à parte

Se a discussão sobre o aparelho já é delicada, o debate em torno das redes sociais é ainda mais sensível. Os especialistas são categóricos: o acesso às redes não deveria ser liberado antes dos 18 anos. “Eles não têm emocional e cognitivo capazes de processar as informações que estão ali sem que isso afete seu psicológico. Temos visto cada vez mais casos de questões alimentares, ideação suicida e automutilação”, explica um dos especialistas. Ou seja, mesmo que o adolescente já tenha um aparelho, isso não significa que ele esteja pronto para lidar com comparações sociais, padrões estéticos irreais, cyberbullying e conteúdos inadequados.

Regras saudáveis para uso de celular

Quando o aparelho já está em casa, especialistas sugerem alguns combinados práticos para proteger o desenvolvimento:

  • Limitar o tempo de tela de lazer (inclusive games e vídeos) a, no máximo, 3 horas por dia na adolescência – com tempo ainda menor nos dias de semana;
  • Não usar celular nas refeições, para preservar o momento de convivência e atenção plena;
  • Evitar aparelho no quarto à noite, especialmente para dormir – se preciso, trocar o despertador do celular por um despertador analógico;
  • Restringir o uso em eventos sociais, para que a criança viva a experiência presencial em vez de se refugiar na tela;
  • Monitorar conteúdo com ajuda de aplicativos de controle parental, de acordo com a idade;
  • Garantir que o celular não substitua brincadeiras ativas, esportes e atividades ao ar livre.
  • Outro ponto importante: tirar o celular como único castigo nem sempre é a melhor estratégia. Isso pode gerar mais conflito do que aprendizado e não resolve, por si só, problemas escolares ou emocionais. Ajustar a rotina, oferecer apoio e rever a dinâmica familiar costuma ser mais efetivo.
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