Mães empreendedoras: encontrem a comunidade que seja a sua turma

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Dani Junco, fundadora da aceleradora B2Mamy, já treinou 10 mil mulheres na área de tecnologia e afirma que elas precisam participar do ecossistema de inovação.


Dani Junco era dona de uma agência de marketing e estava grávida de sete meses quando teve um estalo para uma ideia de negócio. Conversando com outras mães, viu que elas tinham em comum não apenas o desafio de conciliar filhos com os próximos passos da carreira. Também tinham ideias escaláveis, inovadoras e tecnológicas que não fariam feio em nenhum hackathon.

Então por que essas mães não participavam do mundo da tecnologia? Dani sabia a resposta: os ambientes poderiam ser cheios de inovação, mas eram bem pobres quanto a dar condições para que as mães conseguissem empreender ao lado dos filhos.

Já são 10 mil mulheres capacitadas na área de tecnologia em programas da B2Mamy. Os projetos para este ano prometem fazer o número subir com mais ainda velocidade, mesmo em tempos de pandemia causada pelo novo coronavírus. Veja os principais trechos da entrevista com Dani Junco, fundadora da B2Mamy:

PEGN — De onde surgiu a ideia para criar a B2Mamy?

Dani Junco — Não imaginávamos desde o começo ser uma aceleradora. Eu estava grávida de sete meses e não sabia o que fazer para equilibrar filhos e carreira. Coloquei essa dor em um post no Facebook, chamando mulheres para tomarem um café. Vieram 70, 80 mulheres. Percebi que havia espaço para esse questionamento.

A B2Mamy começou reunindo mulheres para falar sobre transição de carreira, na mesma época em que meu filho Lucas nasceu. Mas percebi que as ideias dessas mulheres não deviam nada para as que eu via nos hackathons que frequentava.

Com o apoio do Google, viramos uma aceleradora. Isso foi depois de um ano de encontros, em junho de 2016. Treinamos 10 mil mulheres na área de tecnologia nesses quase quatro anos. Nosso grande objetivo é tornar as mulheres economicamente livres.

Fizemos um crowdfunding e levantamos R$ 200 mil para abrir um espaço físico em setembro de 2019. Em novembro do mesmo ano, abrimos nossa sede em Pinheiros [bairro na Zona Oeste de São Paulo]. Recebemos 60 mulheres por dia para fazer nossos cursos, fora os que ministramos no Google for Startups Campus e as atividades online.

PEGN — Por que é tão importante ter um espaço dedicado para mães empreendedoras?

Dani Junco — Na época dos encontros, via que a maioria das ideias que as mães queriam tirar do papel precisavam de tecnologia. Fui procurar as empresas que incubavam projetos inovadores e não havia nenhuma mulher, muito menos mães. Ouvia coisas como “mulheres e mães não têm dedicação suficiente para levantar uma startup” nos eventos de tecnologia que frequentava. Os espaços não tinham nem trocador, então estar com seu filho era um problema. Parecia um lugar que não era para mães e mulheres.

A gente criou a B2Mamy dando o mesmo conteúdo que essas empresas, mas com um espaço diferente. As mulheres acabavam se inscrevendo e se sentindo confortáveis. Antes, não se inscreviam em nenhum evento. Criamos ambientes mais seguros para a maternidade e, assim, mais mães empreendem. Hoje, muitos outros programas falam conosco para nós divulgarmos entre a nossa rede e trazer mais inscrições de mulheres. Meu desejo no futuro é que a B2Mamy não exista, que essa atitude vire o normal.

Viramos um grande celeiro para acelerar projetos early stage de mães empreendedoras. Pudemos tracionar ideias mais rapidamente nos segmentos feminino, de maternidade e infantil. A primeira coisa que uma startup precisa fazer é conversar com seu público-alvo e definir suas personas. Um espaço como o nosso ajuda a falar com esses potenciais clientes e testar seus modelos de negócio.

PEGN — Como este momento de pandemia está afetando a operação da B2Mamy? Quais são os planos para 2020?

Dani Junco — Sempre tivemos uma atuação online, mas nunca foi algo tão organizado quanto agora. Nossos programas de aceleração foram para o digital com a pandemia. Também fizemos 18 eventos online e diversas transmissões ao vivo. Nesses 40 dias de quarentena, foram 30 mil mães impactadas em sete países, porque também falamos com empreendedoras brasileiras que moram fora.

Neste mês, lançaremos uma plataforma de educação com conteúdo próprio ou curados por nós. Vai ser uma espécie de “Netflix da B2Mamy”. Também teremos cursos de growth hacking [mistura entre vendas e tecnologia] e de programação com foco maior na liderança de departamentos de tecnologia.

Por fim, temos um projeto de impacto social chamada Womby. Serão treinamentos em inovação e tecnologia voltados a mães negras e que moram na periferia. Capacitaremos essas mulheres em funções que elas possam trabalhar remotamente, continuando ao lado dos seus filhos.

PEGN — E como a pandemia afeta os negócios das mães empreendedoras? O home office forçado pela quarentena deixa isso mais fácil ou mais difícil?

Dani Junco — A pandemia afetou não só por ter de cuidar o tempo todo dos filhos, mas porque muitas empreendedoras não tinham seus produtos no mundo digital. As que já estavam na nossa aceleração tiveram mais facilidade nessa transição. Mesmo assim, ninguém esperava o tamanho dos efeitos dessa pandemia.

Óbvio que essa transformação digital, incluindo o trabalho remoto, requer mais organização e afeta a saúde mental. Mas vejo que o pior já passou nesses quesitos: ouvimos empreendedoras que se resolveram com a casa e com as crianças, com exceção daquelas que passam pela fase complexa de ter filhos entre zero e dois anos de idade.

PEGN — O que falta para termos mais empreendedoras no mundo da tecnologia, especificamente como fundadoras de startups de sucesso?

Dani Junco — Sobre sucesso, eu acredito em empresas que mantêm a última linha do Excel no azul. Estamos preocupadas mais com consistência e perenidade do que crescer sem dar lucro durante anos, contrapondo os unicórnios às zebras e aos camelos. Temos exemplos incríveis de unicórnios, inclusive no Brasil, mas também vemos um questionamento mundial ao crescimento acelerado sem colchão financeiro organizado.

Primeiro, temos uma lacuna de treinamento em inovação e tecnologia. Ainda temos muito a fazer quanto à educação nessa área. Depois, falta investimento: cerca de 2% dos recursos de capital de risco no mundo vão para mulheres. Precisamos de mais mulheres investindo e sendo investidas. É na gestão desse dinheiro que as coisas irão mudar de verdade e abrir as portas para outras mudanças que gerem mais empreendedoras no mundo da tecnologia.

É importante falar que a situação atual está melhor do que a que vi em 2016. Temos muitas scale-ups com cofundadoras e executivas, liderando a expansão de mercado dessas startups de alto crescimento. Existe uma nova geração de mulheres empreendedoras chegando. Mas, como falei, ainda falta dinheiro para elas.

PEGN — Qual conselho você daria para uma mãe que quer empreender, especialmente na área de tecnologia?

Dani Junco — Encontre uma comunidade que seja a sua turma. Não apenas um lugar onde exista conteúdo, mas que você converse com fundadores homens e mulheres. Participe do ecossistema de inovação. Não dá para começar uma startup sozinha: você precisa se conectar com as pessoas certas, especialmente para depois buscar um investimento.

Também olhe bem para a tecnologia da sua startup, seja você dessa área ou tendo um sócio ou sócia com essa experiência. É arriscado fazer uma startup sem um base tecnológica, terceirizando todo o desenvolvimento para uma software house. Os investidores sempre procuram quem é a pessoa responsável pela tecnologia.

Fonte: PEGN.

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